quarta-feira, outubro 11, 2006

O DIREITO À VIOLÊNCIA

OS ANGINHOS
Os contadores de histórias que envenenam a moral humana desde a noite dos tempos apresentam a "sociedade ideal do futuro" como povoada por anjinhos dispensados da crua luta pela existência, dedicados às nobres função da poesia e da música, só interrompidas pela, ainda mais nobre, função democrática, pela qual, em assembleias dirigidas por santos, se resolvem todos os conflitos e se dissolvem todas as "incompreensões". Sociedade comunista, pois claro, que isso de propriedade privada é sinal do egoísmo estreito, fonte de todos os males. Claro que tão nobres intenções e insignes posturas só podem originar-se da crónica patifagem que persiste, geração após geração, em adormecer o próximo para melhor o roubar. O eterno truque do "conto do vigário", a vigarice instituída ideologia.

A VIOLÊNCIA NATURAL
Ora, como bem lembra o rejuvenescido slogan do PNR, o Trabalho é indispensável. Trabalhar, seja a fabricar, a distribuir, a vender ou a projectar, envolve uma continuidade, uma persistência, um esforço que, por assim dizer, violentam a natural tendência para descansar e poupar energia para o prazer ou para a mera distracção exploratória, tendência que afecta todas as formas de vida, não apenas o humano.

A violência do Trabalho é, pois, natural, impessoal, está na ordem das coisas. Uma sociedade normal espera que todos trabalhem provendo ao seu sustento. Dispensados de trabalhar estão aqueles que o Amor sustenta sendo que o Amor é sempre oferecido voluntária e expontâneamente. Se "todo o homem é meu irmão" então não tenho irmãos nem existem homens.

Para defender o produto do meu trabalho ou as dádivas de Amor que recebi em herança dos meus pais, ou tios, ou compatriotas, é natural que use da violência. Quando disparo sobre o assaltante, faço-o às escuras, não quero saber quem é, não preciso de lhe ver a cara. A violência que uso para defender o que é meu é tão impessoal e natural como a violência do Trabalho que fez surgir à face das coisas a minha propriedade.

O polícia que disparou sobre os rapazes que iam no carro roubado defendia o que era seu: O direito de mandar parar. Se me impedem de dar um tiro no assaltante da minha casa ou se impedem o polícia de disparar sobre o desobediente, negam a propriedade privada, negam o trabalho, negam a natureza das coisas. São os patifes a propagandear a sociedade dos anjinhos.

Vem então o director, juiz ou sumidade, doutamente, esclarecer na TV que um polícia só pode dispor da arma quando periga a vida sua ou de outrem. E mesmo assim - já aqui o discutimos - em condições que a Lei especifica com ridícula minúcia, as quais inviabilizam a eficácia do acto. Pois é... mas no carro roubado vai a vida do seu proprietário que trabalhou anos para o comprar e que dele necessita para ir trabalhar. E se no carro roubado ia um refém, se ía a droga que mata? O doutor é burro, já nos habituámos a tais personagens!

Quanto ao rapaz que a bala policial matou: Teve azar! Ter ou não ter pena dele é irrelevante. O choradinho era, antigamente, para meninos e para mulheres. Hoje, felizmente, é só para meninos. Mas os patifes que nos querem "enviar para os anjinhos" gostam que sejamos todos meninos para mais facilmente nos enrabarem como nos têm enrabado até aqui (perdoe-se a grosseria da linguagem que o autor, inepto, não consegue encontrar termos melhores).

A VIOLÊNCIA SISTEMÁTICA
Chegamos, finalmente, onde queríamos. O Estado actual - se é que podemos denominar Estado o monstro burocrático - reserva para si o uso da violência. Conta com a ingénua passividade dos meninos em que nos transformou. A tal ponto meninos, que é envergonhados que assumimos alguma virilidade. Como é inconsequente a lucidez que, em lampejos, ainda demonstramos. A violência do Estado é sistemática. Porém, como uma dor constante, deixamos de a sentir agudamente, habituamo-nos. Mas é brutal, absoluta. Sobre o funcionário, a quem castra profissionalmente, professores, médicos, engenheiros - e polícias - que o não podem ser, assoberbados de papéis, atormentados por legislação mesquinha e estúpida, privados do nobre acicate do mercado livre. Sobre os privados, que lutam arduamente por margem estreita de proveito, esmagados por impostos cujo montante não conhece paralelo, nem nos períodos mais negros da história das tiranias.

O GENOCÍDIO COM PÉS DE LÃ
O Estado impede o acesso aos cuidados de saúde, à educação, a uma velhice tranquila e digna. Obriga-nos a pagar para não ter. O médico já não vem a casa, centros de saúde, qual repartições públicas em que se tornaram, só abertos nas horas de expediente, ineficácia dos serviços médicos, listas de desespero. Escolas que não preparam para uma vida útil, centros de tédio e vadiagem em que se arrasta juventude amorfa, sem horizontes, entusiasmos, interesses fortes. Segurança social fraudulenta, milhões pelo buraco. E, tudo isso, obrigatório.

Estava-se melhor quando não havia hospital nem escola nem previdência. Não havia mas não se pagava. O pior que podia acontecer era morrer. Mas era um morrer mais simples, mais digno e mais barato. E a vida aproveitava-se, vivia-se e, enquanto trabalhava, a criança,ao menos, aprendia.

Agora que tudo seria melhor, mais leve, mais fácil - não graças ao socialismo mas ao engenho técnico e ao produto acumulado de um trabalho inteligente - tinha de vir esse Estado criminoso roubar os frutos do Progresso. Cínico, perito da propaganda, mestre da ilusão, o Estado declara reforma atrás de reforma. Assim se enganam os tolos. A civilização permanece criança prodígio sem futuro, adolescente pateta, adulto suicida.

ABAIXO O ESTADO
O Estado não serve para nada. As forças armadas assistem o poder do opressor, a polícia persegue o cidadão habitualmente cumpridor - paga a multa Zé! - o juiz, coitado, serve os conflituosos, a escola é igreja sem deus, cheia de lamentos e pecadores; o hospital, como a polícia, só serve quando não é preciso; o plano de ordenamento lá da câmara municipal é como a mula da cooperativa, deu dois coices no telhado. E os "fiscais" dos ministérios, os senhores inspectores, largados como cães sobre a população laboriosa sob pretexto de higiene, segurança, normalização, eficácia, "melhores práticas" (mais um chavão idiota que por aí nasceu)? Que cambada de inúteis!

Como na Antiga Roma, só as estradas ficarão por nobre testemunho. Para que a estrada passe, venha o Rei abrir caminho. Mil euros por ano, por cada uma dos dois milhões de viaturas, eis quanto bastaria para indemnizar o Monarca pelo transcendente obséquio. Mais cem euros por cada trabalhador bastariam para manter uma brigada de dois mil comandos, briosos, valentes e generosos, que à força de umas tantas bazucadas afugentariam das suas tocas a nojenta fauna de ratos, pavões, raposas, cadelas e muares. De resto, dois ou três dias de bom vento dissipariam o cheiro pestilento que agora nos incomoda nesta terra abençoada. Para os vigaristas, ladrões comuns e outras espécies mais perigosas de tratantes, estaria a época de caça sempre aberta que isto de deixar enferrujar a clavina lá em casa é uma pena.
Seiscentos milhões de contos (8% do actual orçamento), um Rei verdadeiro, monarca, e algum exercício físico, eis a felicidade por bom preço.
POST SCRIPTUM
Respondia-me há dias um velho amigo a quem a riqueza acabou por bafejar: "Tivesse tido sorte mais cedo e soubesse o que sei hoje, não mandava os meus filhos à Escola, não declarava um tostão ao fisco nem tirava bilhete de identidade. Tinha escolhido morada nos confins da serra e construído casa sem pedir licença à Câmara... O que mais detesto? Que me tratem por cidadão! O que mais aprecio? Rir na cara desses cabrões.
Enquanto o meu feliz amigo ri, eu continuo a sentir na cara o bafo da Besta e a ver, à minha volta, o mundo a arder sob o jacto da chama do dragão. Valha-me S. Jorge!
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